TRANSCRIÇÕES 2


VIC MILITELLO


VIC MILITELLO
DIA 9 / CANON 60 D 01

Minehira: Filme Xamego, entrevista com a Laudi e a Vic Militello, take um. (Claquete).
Salim: Manda bala.
Daise: Pode ir.
Minehira: Filme Xamego, sonora Laudi e Vic Militello, take dois. (Claquete).
(Breve silêncio).
Minehira: Gravando.
Vic: (Vic inicia a leitura de um capitulo do livro Terceiro Sinal escrito por sua mãe) ‘Palhaço’, um texto de Dirce Tangará Militello. ‘O Circo Guarani, de propriedade de João Alves, levava as melhores comédias musicais da época. Ele e sua família compunham o elenco. João Alves era o ensaiador, e Ator principal, suas filhas, uma era a mocinha, e a outra a caricata, que é como chamavam a atriz que fazia a parte cômica do espetáculo. Interessante porque como o circo fazia uma apresentação por dia, e sempre variada, chamava-se de caricata a atriz que também variava nos espetáculos. Não sendo rotulada como humorista, ela também como o Palhaço, se modificava a cada apresentação. Uma das falhas de João Alves era o Palhaço da primeira parte, aí ela assumiu esse ilustre personagem por motivo de uma grave doença que atacou inesperadamente o seu irmão, um jovem simpático que foi deixando os seus pedaços em todos os sentidos, na caminhada da vida. Ela carinhosamente me dizia que não deixava o pai colocar substituto. Ia fazendo o Palhaço, quebrando o galho, até o dia em que ele pudesse voltar. Nunca se identificou. Muita gente esperava na saída o Palhaço que nunca apareceu. Aos mais insistentes diziam que ele já havia saído, assim que terminara a sua apresentação. A foto que não foi batida, que ficou dentro dos olhos, e ainda vejo quando rebusco dentro de mim nos meus velhos guardados, o Palhaço amamentando o filho que chorava. No camarim o menino chorava, ela o amamentava mesmo sem tirar a maquiagem, e trocar de roupa. Lá fora muita gente esperava querendo conhecer o simpático Palhaço, principalmente as moças. Engraçado como as moças se apaixonavam pelos Palhaços, mesmo sem conhecer o rosto. O rosto é que desperta mais atenção, primeiro talvez a curiosidade, por saber quem está atrás daquela maquiagem, ou mesmo pela necessidade de sorrir. E ela continuou a ser o Palhaço do circo, esperando a recuperação do irmão que não aconteceu nunca. Criou seus filhos, acho que foram os únicos que foram amamentados pelo Palhaço. Ela fez segredo desse trabalho nas praças onde o circo se instalava, nem mesmo os artistas comentavam. Ela não sabia que sua imagem com as roupas e a maquiagem, num passado distante, está sempre presente, na marcada lembrança de uma criança que viu o seio do Palhaço. O Circo Guarani fazia temporadas brilhantes em todos os terrenos centrais da cidade. Os musicais no picadeiro eram alegres e coloridos, e no final entravam todos os artistas. O encerramento era sempre com um casamento que acontecia exatamente as vinte e três horas. Era comum o espectador que acompanhava a temporada levar os filhos e marcar a hora para ir busca-los, as vinte e três horas, a hora do casamento. Nessa época o circo ainda não havia adotado o circo-teatro. Eram poucos os que tinham palco. Quando todas as apresentações aconteciam no picadeiro, a cena única dos musicais era preparada no intervalo da primeira para a segunda parte. As cenas dos dramas com mais de um ato eram mudadas nos entreatos, e se a peça era longa, então suspendia-se a primeira parte’.
Daise: A gente vai vendo a cena não é?
Vic: (Vic concorda com um movimento de cabeça).
Daise: A gente vê né?
Vic: (Vic concorda com um movimento de cabeça).
Daise: Porque a minha mãe teve muitos filhos, ela teve gêmeos, gêmeos, e trigêmeos, e perdeu todos, depois ela engravidou do meu irmão, que eu imagino que seja ele o tal menino, e eu nasci logo depois...
Minehira: Vamos lá?                                                          
Vic: Quando quiserem.
Minehira: Filme Xamego, entrevista Laudi e Vic Militello, take três. (Claquete).
Daise: Vic, fala pra mim como você se sentiu lendo esse texto que a sua mãe descreve o Palhaço que pra ela quando criança era um homem, amamentando uma criança. Você como mulher, o que você pode, mais ou menos lembrar de como provavelmente a sua mãe se sentiu naquele momento, e quando ela escreveu esse livro.
Vic: Eu na verdade não estava me lembrando desse texto porque ela, quando mamãe faleceu, logo depois que ela escreveu esse texto ela faleceu, eu praticamente apaguei muita coisa porque doía muito, era muita dor, então eu fiz um espetáculo em homenagem a ela né? O Tempo da Apoteose, e agora você falando isso me lembra que eu fui amamentada pela minha avó,  e ela amamentava o irmão quando trocávamos, porque ela tinha que entrar no picadeiro ou a minha avó tinha que entrar, e nós somos irmãos de leite dos meus tios que éramos mais ou menos da mesma idade. E falando do Palhaço o que eu me lembro, por exemplo, comovente ela era vestida de Virgem Maria amamentado o meu irmão, o meu irmão caçula, que ela ainda é atuante né, ainda era a Dircinha, a estrela da Companhia quando ele nasceu, e ela amamentava ele vestida com o personagem que ela tava fazendo, isso ficou muito mesmo na minha cabeça também. Não com essa imagem poética, naquela época eu nem imaginei que um dia eu pudesse escrever alguma coisa, mas agora lendo me veio essa coisa linda na cabeça de quantas imagens bonitas as mulheres do circo fizeram né? E quanto que essa mulher que fez esse Palhaço merece essa homenagem. Eu espero que vocês tenham êxito, que deem a importância que ela merece, que se ela não teve antes que ela tenha agora. (Vic se emociona).
Daise: Eu choro também.
Salim: Fica todo mundo emocionado. As histórias são bonitas né, porque são histórias de gente simples, que fez a arte sempre de peito aberto né?
Vic: Exatamente.
Daise: E sendo mulher, essa coisa de, da dificuldade que as mulheres têm de se posicionar. Eu sei que a sua história também deve, logicamente começou com família de circo, também traz de memória essas lutas né?
Vic: Ahã.
Daise: Pra você se posicionar, pra você como mulher, como Atriz, ter a importância que você...
Vic: É porque o preconceito é muito grande, e a disputa é maior ainda, eu vejo essas jovens, cineastas, trabalhando e eu sei quanto elas têm que lutar pra transpor esse preconceito tão grande. Por quê? Porque o mundo artístico também é pequeno, a concorrência é muito grande até pelo fato de sermos poucos, e a mulher como é mais emocional ela cede o lugar para os homens, não é tanto porque eles nos barram, e nos impedem, é que a mulher é mais apaixonada, ela cede o lugar, é aquela coisa que o homem faz um bolinho, e a mãe fala ‘mas ele é o melhor cozinheiro do mundo’. É ela que é. Ela cozinha bem, mas não adianta, o filho é o melhor do mundo porque ela cede o lugar, elas são muito apaixonadas por eles, entendeu? E às vezes incompreendidas elas vão passando e ficando para trás. Agora eu fiz o livro falando sobre essas coisas que são os Sonhos Como Herança [Síndrome da Paixão], porque eu só herdei sonhos, eu realizei quase todos os sonhos que foram sonhados pelo meu pai e sonhados pela minha mãe, e os meus sonhos eu não sei quais são, era o mundo, eu queria mudar o mundo, eu queria um mundo bonito, mais bonito, e eu sinto que eu cheguei no futuro, porque hoje eu tô no futuro e que esse sonho está irrealizável, porque tá feio, o povo não está gostando de viver, o povo está se acabando, não tem coragem de enfrentar a morte, todos tem medo da morte, e não tem coragem de enfrentar a morte, e se vai ficando feio e se deteriorando, destruindo tudo, que vem quebrando todas as coisas, ninguém sonha como nós, artistas antigos, sonhava com a beleza, agora os filmes tem que ser feios, tem que ter sangue, tem que mostrar destruição para ganhar premio e pra ser bonito, então a beleza que eu sonhei um dia que seria um mundo melhor sem aquela guerra que eu presenciei, agora eu sinto que eu cheguei no futuro, e não foi pra esse futuro eu queria estar junto né? Mas que ainda penso que a minha bisneta, eu tenho uma bisneta de dez anos que agora já se diz Atriz e fala ‘isso é bom para minha carreira’, eu tenho impressão que ela vai conseguir, a Beatriz, eu fiz inclusive uma homenagem a ela falando que eu sonhei um mundo melhor pra Beatriz. Eu acho que quando ela tiver pelo menos a minha idade ela vai ver um mundo realmente melhor.
Salim: A gente tava conversando também um pouquinho antes né, o que que é, como que você imagina né, o mundo de hoje é complicado pra uma mulher ser Palhaço né, não ser Palhaça, você imagina o que que foi o Xamego naquela época? Pra tua mãe ter escrito isso... Porque é... E ninguém sabia que era... Mesmo a sua mãe né, uma criança, não sabia que era um homem, imagina...
Vic: Só tinha uma coisa de bom, uma coisa melhor do que hoje, é que não existia a indiferença que tem hoje, o público fazia as homenagens a esses artistas, você que era, fazia essa homenagem ao Circo Chororó que você lembrou aqui tudo... Você seguia você acompanhava você era fã, então o público fazia isso com esses artistas né, então tinha isso de bom, o artista, ele tinha um retorno de amor, ele se entregava e recebia esse retorno, tanto financeiro porque eles sobreviviam disso, não precisavam ficar esmolando pro governo dar dinheiro, o público sustentava essa gente, e eles podiam fazer aquilo que eles sonhavam fazer, que era agradar o público, era só isso, se o público estava feliz voltava no dia seguinte e a gente ganhava o ganha pão, se não agradasse você tinha que desistir de ser artista, só ficavam os bons, porque o público elegia quem eram os bons. Agora não, agora nós não temos elegido os bons, nós temos elegido quem o poder econômico quer que responda por isso. Aquele que vai vender melhor um carro, que vai vender melhor a moto, então hoje em dia ser artista é muito difícil, é muito complicado. Eu falei, eu perdi a função de Atriz, por isso eu estou afastada. Eu não vejo função pra mim, se querem um corcunda vão chamar um corcunda, se querem um manco eles chamam um manco, um cadeirante chamam um cadeirante, se é um ator negro não pode fazer um branco tem que chamar um branco, se é branco não pode fazer um negro tem que chamar um negro, nós não tínhamos isso, nós éramos tudo que quisessem que fôssemos né? Um gago, a gente é um gago, vai fazer um mudo surdo nós somos um mudo surdo, essa era a minha função, era fingir que eu era outra pessoa, essa função foi tirada do Ator, essa função, agora eles querem um débil mental eles pegam um débil mental e coloca no programa humorístico e fala que aquilo é comédia então... Aí eu fico assustada, é assustador o que fazem de programa humorístico com pessoas que na verdade são aberrações da natureza, que é motivo de tristeza, é tragédia, é trágico. O artista faz aquilo com uma forma engraçada de fazer, mas quando a pessoa tem aquilo na natureza, por mais que ela queira ser engraçada, não é. Eu mesma no meu modo de fazer comédia que eu sempre tive excesso de peso, eu sempre fiz isso ser cômico, por quê? Porque eu entrava de charme, eu era linda, eu era a melhor que tinha e não sei o que, mas a pessoa que tem excesso de peso e que não tem essa autoestima ela não pode fazer comédia, você vai mostrar uma desgraça na vida dela. Então é isso que tá acontecendo hoje, eles trazem as pessoas que tem uma tragédia pessoal pra tornar pública aquela tragédia e dizer que é feliz, ‘ah, eu tô feliz! Eu sou insuportavelmente feliz’.
Salim: Seu pai era Palhaço?
Vic: Meu pai [Humberto Militello]? Sim, um grande Palhaço, o Chororó, Chororó com CH sempre porque ele dizia que o Chororó dele não era o pássaro, vinha do choro, então era Chororó por causa disso, mas ele foi um grande Palhaço. Alias o SESC [Serviço Social do Comércio] quando fez uma pesquisa, acho que foi em oitenta ou oitenta e dois que queria saber o que as pessoas de mais de sessenta anos naquela época lembravam sobre a arte em São Paulo, e aí setenta por cento das pessoas lembravam do Chororó, tanto nas melhores, bairros que mais gostam de teatro que nem a Barra Funda, que nem Perdizes, grande, muitos que eles viram, lembravam que a primeira vez que eles viram teatro e circo era com o Chororó, e que eles tinham muita saudade daquelas pecinhas que ele fazia, então ele marcou época na década de cinquenta até sessenta nos bairros de toda São Paulo.
Salim: E, assim, o Circo Guarani também fazia...
Vic: Noutra década.
Salim: O que que você lembra do Circo Guarani? Porque era o mesmo esquema né? Tinha o Palhaço, tinha o...
Vic: Eu lendo agora do Circo Guarani, eu acho maravilhoso eu sinto uma pena não ter essa memória desse circo. Eu lembro de modo geral de todos os circos, mas não tenho especificamente do Circo Guarani, eu não tenho essa memória. Acho que devia, pelo que ela narra, devia ser lindo, como eu narro o circo nos espetáculos que eu faço, esse gran finale que todo mundo entra dando adeus, todos os espetáculos que eu faço tem esse final né? Eu sempre trouxe essa técnica circense que se usa no palco, que de uma certa forma tanto o Circo Guarani, como o [Circo Teatro] Arethuzza, como o Pavilhão do Simões [Pavilhão Teatro Simões], como essa gente toda, como o [Circo Teatro Liendo e] Simplício, e o próprio Circo Tangará, é que uniram e me deram essa forma de conhecimento que eu pude passar para gerações e gerações de crianças praticamente que acompanharam o meu trabalho e cresceram junto com o meu trabalho. Eu fico muito feliz quando eu vejo essa, esses jovens que eles entenderam o processo. Foi muito positivo porque eu não passo só a técnica, eu passo o amor pra aquela arte, eu passo o compromisso, o conteúdo desse trabalho de como você tem compromisso social, humano, senão não faz isso, vai vender coquinho. (Risos).
Minehira: Vou bater tá? Filme Xamego, sonora Laudi e Vic Militello, take quatro. (Claquete).
Salim: Bom, uma coisa que a gente tava comentando antes né, João Alves era negro, ele nasceu ainda na época da promulgação do Ventre Livre e tal, pegou a escravidão, alguém da família né, filho de escravos e tal, como é que ele podia ser dono de um circo, o dono de um circo que era um circo, assim... Porque pô, também tem a maçonaria, passa por ali também né? Quer dizer, tem uma ligação também nisso daí não tem?
Vic: Uma colaboração, digamos que, como hoje de repente um patrocinador resolve patrocinar um artista porque reconhece o talento, eles também tinham isso, porque o artista negro brasileiro, além de ser muito descolado, além de ter muito jogo de cintura, é de um talento extraordinário, porque só eles cantam tão bem daquele jeito, e dançam tão bem, e representam tão bem. O nosso melhor Ator, na minha opinião, desde pequena é o Tony Tornado [Antônio Viana Gomes], nenhum Ator brasileiro é melhor que ele, nenhum Ator brasileiro canta melhor que ele, dança melhor que ele, faz comédia melhor que ele, faz drama melhor que ele, então para mim ele é o representante do Ator brasileiro. E sempre foi assim, os negros tomavam conta da arte, como tomam conta hoje se deixarem, porque eles têm, eles não são grandes Matemáticos, grandes Cientistas, não sei o que, mas artistas eles são grandes, eles nasceram com esse sangue da arte e nem adianta querer imitar, é só eles que tem. A gente pode até invejar, mas imitar não dá né? Eu com o meu belo sangue italiano não vou ser aquela mulata maravilhosa que dança daquele jeito, então eu reconheço isso né, e a dificuldade deles é enorme, principalmente das mulheres, elas não conseguem passar de ser as mulatas maravilhosas que dançam, agora pra ser, realmente vir como a melhor Atriz, como a melhor Cantora... Vocês veem no nosso cenário musical, pouquíssimas chegam lá, tem que disfarçar, tem que por um cabelo loiro, tem que... (Risos). Porque é difícil e ninguém canta melhor que elas, elas têm o dom, e isso acontecia naquele tempo que foram sendo esmagados, que foram sendo esmagados, mas eles eram extraordinários, então tinha patrocinadores que reconheciam isso e ajudavam no patrocínio, e aí faziam eles crescerem. E a maçonaria gostava de fazer justiça, se tem um lado, tem um lado de máfia nisso, tem um lado ruim claro, toda a política tem, é uma filosofia né, então, só que eles se unem para fazer justiça, eles se dão a mão para fazer a justiça, só com os homens as mulheres não podiam entrar né? (Risos).
Salim: Agora tá podendo...
Vic: Agora tá podendo. Agora tá podendo porque já ficaram fraco mesmo né, a mulher tá mais forte agora né? (Risos). Pelo menos economicamente a mulher tá ficando mais forte né?
Salim: É isso aí. Deu?
Daise: Muito bom.
(Fim da entrevista).

LAUDI MILITELLO

LAUDI MILITELLO
DIA 9 / CANON 60 D 01

Salim: Pode ir? Então tá.
Minehira: Vou bater claquete. Filme Xamego, sonora Laudi Militello, take cinco (Claquete).
Salim: Laudi, quem ia muito ao circo naquela época, e era, era um cara assim que todo mundo ia ao circo pra ver além do Palhaço, das atrações, era o Luiz Gonzaga [do Nascimento]. O Luiz Gonzaga estava em todos os espetáculos? Ele era a grande atração?
Laudi: Ah, em todas as praças né, tinha um dia reservado para o Luiz Gonzaga que aí arrebentava né, quando ele chegava no pavilhão era o maior sucesso, então era um show que todo mundo do circo tinha que ter a data para o Luiz Gonzaga ir cantar.
Salim: Então, e o Palhaço no caso né?
Laudi: Meu pai [Humberto Militello].
Salim: Seu pai era Palhaço né?
Laudi: Meu pai era o [Palhaço] Chororó.
Salim: E o Palhaço, no caso aqui o Xamego...
Laudi: Ah, o Xamego!
Salim: Veio em função de uma música do Luiz Gonzaga também, porque o Luiz Gonzaga ia no Circo Guarani também, e o Xamego é por conta da música do Luiz Gonzaga.
Laudi: Puxa, que bonito! Eu não sabia.
Salim: A dona Eliza entrava né, quando tocava a música do Xamego né?
Laudi: Que legal.
Salim: Você sabe como que é a música?
Laudi: Não.
Salim: Vai lá, canta um pedacinho.
Daise: É assim... (Daise começa a cantar). ‘O xamego dá prazer... ’
Laudi: Ah sim!
Daise: ‘O xamego sempre dói, às vezes não, o xamego sempre rói o coração... ’
Laudi: (Laudi começa a cantar junto). ‘O xamego sempre dói, às vezes não’.
Daise: ‘Todo mundo quer saber o que é o xamego, ninguém sabe se ele é branco, se é mulato, ou negro... ’
Laudi: (Risos).
Daise: ‘Ninguém sabe se ele é branco, se é mulato, ou negro... ’
Laudi: Legal! Muito legal!
Salim: Então, no Circo Guarani ela entrava com essa música né?
Laudi: Sei.
Salim: Agora no circo do seu pai, pelo que eu soube você chorou pra caramba quando chegou o Luiz Gonzaga né?
Laudi: (Risos).
Salim: Como é que foi essa história aí? Conta pra gente.
Laudi: Isso aí eu tenho na minha lembrança assim de criança. Eu tinha uns nove anos nessa época, e eu tinha ganhado um anelzinho de rubi da minha madrinha, e eu tava apaixonada por aquele anel, e no dia do show do Luiz Gonzaga, no camarim eu perdi o anel, aí comecei a chorar e atrapalhar todo mundo porque era hora do espetáculo e papai achava ruim comigo, e andou me dando um chacoalhão lá, e eu comecei a chorar muito e procurando o anel, e o Luiz Gonzaga chegou pra mim e falou assim, ‘porque você chora tanto?’, ‘ah porque eu perdi o meu anel aqui no camarim, o meu pai já me bateu, e eu não acho o anel’, e ele ‘peraí vamos procurar, vamos procurar’, e ele começou a procurar e ficar desassossegado, até que ele, assim, na festa do camarim, ele achou o meu anelzinho e me devolveu. Então essa lembrança eu tenho assim que eu acho maravilhosa essa história minha com o Luiz Gonzaga, até hoje eu me emociono, cada vez que eu o vejo cantar eu lembro do meu anel e de que foi ele que me entregou. (Risos).
Salim: Então, tem uma outra história assim também né, que você contou pra gente que é muito legal, e também tem a ver também com o Circo Guarani, com o circo de né, com o circo daquela época.
Laudi: Daquela época.
Salim: Bom, e tem a ver muito com você. A Caravana do Peru que Fala, o Silvio Santos [Senor Abravanel] ia a todo lugar, e aí foi aí que você começou a namorar né?
Laudi: Foi.
Salim: Então conta pra gente também como é que era a Caravana do Peru que Fala? O que que era?
Laudi: Ah, era muito legal né, porque ele levava muita gente, até hoje ele fala, ‘ah no meu show eu levava a Cantora, eu levava a macaquinha Chita’, ele levava muita gente mesmo no show né? O [Ventríloquo] seu Humberto Simões com os bonecos, então era um show que a gente gostava de assistir, eu era garota, tinha quatorze anos, e o meu pai nunca deixou a gente na frente no pavilhão assistir espetáculo, não permitia, artista era lá no fundo do circo, então eu ficava na cortina olhando o show do Peru que Fala do Silvio Santos, e o Gibe [Gilberto Fernandes] era o apresentador, o mocinho, o galã que apresentava o show, e o Silvio naquele dia ganhou uma corbélia maravilhosa quase do tamanho dele, cheio de rosas assim, e eu fiquei olhando, achando bonito, e o Gibe tava apresentando ele, fez o show, e quando foi terminar o show o Gibe foi e roubou uma rosa daquela corbélia e me deu de presente, e assim a gente começou a namorar e essa história durou quarenta e nove anos. (Risos).
Salim: (Risos). Agora o que você sabe, assim, o que você lembra né, alguma coisa assim do Circo Guarani que eu te falei né, que tinha o Luiz Gonzaga, a Caravana...
Laudi: Eu não sei, eu não sei se é verdade, mas eu lembro que o Circo Guarani, ele era um circo que todo mundo falava naquela época, quando tinha o Pavilhão em Icaraí, o seu Simões [Pavilhão Teatro Simões], cada um tinha uma, acho que posso dizer assim, um modo de apresentar o espetáculo, terminar o espetáculo, o desfile que a Vic [Militello] acabou de falar, e me parece que o Circo Guarani era um circo bem brasileiro, e que no final as roupas parece que era meio de índio, meio indiano, meio... Não eram os índios que se apresentavam no final? Essa é a lembrança que eu tenho do Circo Guarani como um grande espetáculo, porque eles faziam no final, assim, um figurino maravilhoso, então dizia do Circo Guarani, ‘olha, um circo brasileiro, vem de índio’, é essa lembrança que eu tenho do Circo Guarani.
Salim: É, é isso aí.
Laudi: (Risos).
Minehira: (Risos).
Salim: É que é o Luiz Gonzaga, a Caravana...
Daise: Eu queria que ela falasse do Chorinho, ela foi Palhaço também...
Laudi: Ah! Bom... (Risos).
Salim: É, é isso aí. E isso aí, como é que é né, mulher Palhaço?
Laudi: Vocês estão fazendo esse documentário sobre mulheres Palhaços né, e eu fiz um Palhaço também só que eu me pintava de homem, eu era um homem, o Chorinho né? O Palhaço era Chorinho. Porque o papai não gostava muito das matinês, então na matinê ele falava, ‘a Laudi se pinta de Palhaço e ela faz o espetáculo’, e eu me pintava e eu fazia o espetáculo, eu era o Chorinho. (Risos). É isso que eu lembro.
Salim: E como é que era? Mudava a voz?
Laudi: Mudava, mudava quase tudo, eu virava um moleque levado, um moleque sapeca que só fazia arte, e fazia travessura pra fazer graça, então era assim que eu me defendia como eu podia né? (Risos).
Daise: Eu posso te pedir uma coisa?
Laudi: Pode.
Daise: Voz consegue falar como o Chorinho?
Laudi: Ai, acho que agora não mais.
Daise: Não dá?
Laudi: Não.
Salim: Não?
Laudi: Não, não dá mais.
Daise: Sabe por quê? Porque eu não consigo lembrar a voz que a minha mãe fazia.
Laudi: Naturalmente a minha voz era muito de criança, porque quando eu fazia o Chorinho eu tinha treze, quatorze anos, eu era um moleque, uma voz de menino levado, e eu fazia mais ou menos isso entendeu? O meu pai tinha uma música que ele cantava muito engraçado que ele fazia... (Laudi cantarola a música). ‘Lain, lain, lain, lain, lain’. (Risos). E a gente tinha muitas piadas e muitas coisas, mas o Palhaço sempre depende também a graça, o momento, do companheiro dele... Então o Palhaço, ele tem que ter o cara que dá a escada pra ele subir e fazer a graça. Sozinho o Palhaço é muito difícil de fazer.
Daise: Você trabalhava com quem?
Laudi: Com o mesmo clown que fazia com o meu pai o espetáculo, só que ele fazia pra mim a noite.
Daise: Minha mãe trabalhava com o meu pai, era Xamego e Reis, e parece que o meu pai foi muito amigo do seu marido, do Gibe, se você quiser falar alguma coisa sobre o Reis do Circo Guarani...
Laudi: É o Gibe teve muitos amigos. O Gibe nasceu mesmo no picadeiro, cresceu e teve uma carreira maravilhosa no circo, no teatro, no cinema enfim, o Gibe é, ele tem que ter um capitulo a parte pro Gibe. O Gibe merece um documentário, o Gibe merece ser respeitado, é um ator de São Paulo, nascido nessa cidade, apaixonado por São Paulo, então eu tenho muita vontade de fazer um documentário do Gibe porque todo mundo, quando fala o Gibe é, ‘nossa, mas ele é maravilhoso, o Gibe’, então ele deve ter muitos amigos inclusive do Circo Guarani com certeza.
Daise: Puxa gente.
Salim:O que mais?    
Minehira: Ela vai ler o livro.
Salim: Ah, ler o livro, maravilha.
Laudi: Eu vou fazer uma leitura aqui, que a Vic me pediu pra fazer, do livro da mamãe né? Pra não deixar que esse documentário que vocês...
Daise: Se você quiser...
Laudi: Eu me emociono demais, porque a minha mãe pra mim, o meu pai, a minha mãe, eu sou muito emotiva, eu sou muito emoção, mas eu vou ler isso aqui que a minha mãe escreveu que é a Dirce Tangará Militello, esse documentário que vocês estão fazendo é por causa desse livro né, começou com essa história, então eu quero fazer esse pequeno poema aqui que ela deixa na contra capa do livro. ‘Ao circense, chamados conservadores, radicais e tudo mais. O circense continua caminhando, caminhando, ora partindo, ora voltando, atravessando fronteiras, lutando para manter encantadas as tradições, misturando alegrias, fantasias, emoções. Circense, não saia do picadeiro! Mantenha seus ideais e mostre para toda a gente o difícil equilíbrio que só você é que faz. Dirce Tangará Militello. Obrigada’.
(Fim da entrevista).

ALEXANDRE e GUARACIABA MALHONE


ALEXANDRE MALHONE e GUARACIABA MALHONE
DIA 06 / CANON 60 D1

Daise: Alexandre, diz pra nós o que você lembra sobre o Circo Guarani?
Alexandre: É, o que, eu era, eu sempre escutei essa história quando eu era criança né, do meu pai [Jaime Cavalcanti], e era engraçada essa história, a gente gostava porque meu pai era uma pessoa que falava, como eu, eu acho que eu estou assim também agora. (Risos). Fica falando a mesma história sempre, então aquilo pra gente, a gente já sabia a história e ria com ela né? Ele trabalhou no Circo Guarani, do senhor João Alves, o meu avô [Antonio Malhone] né, ele era criança, e eles estavam em uma cidade chamada Monte Mor, que é aqui perto, é próximo de Campinas ali, e na época eram fazendas né, assim, não eram cidades emancipadas né, eram fazendas e tal, e diz que não, aquele monte de gente na frente do circo e ninguém entrava, ninguém entrava, lotado o circo, lotado, e ninguém entrava, e aí tinha uma, uma tipo uma charanga né, que ficava na frente do circo, tocando né, e tal, e aí, meu pai contava do jeito que ele falava, que ele falava entre os dentes assim né, aí diz que ele falou pro chefe da charanga, da banda né, ‘toca uma firmata’, que era aquele parãrãrãrã, que era pra alguém anunciar alguma coisa e tal, e aí o cara, parãrãrãrã, aí todo mundo, ficou aquele silêncio e tal, e aí ele foi no coreto, lá onde ficavam os músicos, assim, de frente pro circo, pegou um, parece que era um megafone, alguma coisa assim, e falou, diz que, ‘povo de Monte Mor, a estreia, venho comunicar que essa estreia do Circo Guarani, ficou transferida’, e aí diz que um cara lá, tava lá na frente do circo lá, tudo, falou, ‘viu, mas pra quando?’, aí ele, ‘pra nunca seus filhos dumas putas, tá aqui olha seus montes de bostas, de merda’(Risos). Porque a cidade chamava Monte Mor né, ‘Monte Mor de bosta, de merda’(Risos). Diz que saiu xingando todo mundo, ficou bravo lá, essa era uma. E a gente ria disso aí cara.
Mariana: Então quer dizer que o meu bisavô era muito bravo, é isso?
Alexandre: Parece que sim.
Guaraciaba: Sim.
Alexandre: O que o meu avô contava, o meu pai contava, meu avô não, eu não conheci meu avô, meu pai contava, que a qualquer coisa que acontecia, tipo, qualquer coisa assim, ele chamava a esposa dele, a Dona Brígida, então qualquer coisa ele falava ‘Brígida! Brígida!’(fala entre os dentes), uma coisa assim, isso meu pai contando, e meu pai, eu sempre lembro do meu pai, daquele filme Peixe Grande né, meu pai sempre tinha umas, elaborava, ele nunca contava coisa muito simples né, tudo tinha um sabor especial, ele criava, eu não sei até quando era verdade, sei que era verdade, mas até quando ele enfeitava né, e isso pra gente quando era criança era muito engraçado né? E também dessas coisas de superstição né, que depois eu vim saber com a minha mãe, que minha bisavó trabalhou lá também, e as coisas, a maioria das coisas que, de superstição que a minha bisavó tinha no circo do meu vô, ela pegou quando trabalhou lá com o senhor João Alves né, que pra ela, essas coisas dos antigos de circo né, coisas bobas né, montava o circo se sobrar, se faltasse terra no morto né, nos buracos do morto pra afixar o circo, se faltasse terra, o dono do circo mandava desmontar tudo e ir embora porque falavam que a praça ia mal, porque tinha que sobrar terra, e não faltar, que aquela praça ia ser ruim né, tivesse montando o circo e passasse um gato preto no meio do circo, desmontava tudo, sem estrear e aí embora porque aquela cidade não ia, era mau agouro né, que eles falavam né, então, e a minha bisavó tinha umas coisas loucas assim né, de... Fala um pouco né, do...
Guaraciaba: Sim.
Daise: Então Guaraciaba conta pra nós o que você lembra...
Guaraciaba: Então...
Daise: Do João Alves né, que é aí quem trabalhou com ele foi a sua...?
Guaraciaba: A minha avó.
Daise: A sua avó.
Guaraciaba: A minha avó, e ela contava essas histórias também dele que era divertido porque ele tinha umas coisas de, esse do gato ela pegou isso, que no circo do meu pai depois ela não deixava, se gato passasse ela já xingava, já falava que a praça ia mal porque, ‘não, o senhor o João Alves falava e é verdade mesmo’.
Alexandre: Jogava sal né?
Guaraciaba: Jogava, é, no terreno, tinha essas coisas. E a minha avó contava, que ele era muito supersticioso, e a minha avó trabalhou muito tempo com ele, sempre ela falava assim, ‘ah, o senhor João Alves, o senhor João Alves, o senhor João Alves’, eu falava, ‘nossa, mas quem será esse João Alves?’, depois de muito tempo né, os encontros de conversas é que eu fiquei sabendo que quem era o senhor João Alves era o dono do Circo Guarani onde eles trabalharam.
Alexandre: E onde o meu pai né, depois...
Guaraciaba: É, e depois trabalhou também...
Alexandre: Eu não sei se foi antes ou depois, mas ele trabalhou também né? Mas eu acho que, o Hudi [Rocha] também né, meu padrinho, o [Palhaço] Fedegoso, ele conta muita história também, ele não trabalhou lá, mas ele, porque assim, eu acho que ele, nessas coisas de superstição, de coisas assim eu acho que ele foi top assim de, de...
Guaraciaba: É muito supersticioso.
Alexandre: Né? Tanto, tanto, até tava falando antes né, a minha bisavó, ela era negra, e ele também, o senhor João Alves também era negro, e eles não deixavam o primeiro espectador né, o primeiro que comprou o ingresso, que tivesse na fila, uma criança ou um adulto negro, eles davam um jeito...
Guaraciaba: Primeiro de ano.
Alexandre: De fechar a frente, de deixar um branco entrar primeiro, a pessoa negra não podia entrar no circo primeiro porque senão dava azar. E, eu não sei se era cisma se era superstição, e isso eu ficava muito assim intrigado porque vindo de duas pessoas negras...
Guaraciaba: É, porque eles eram duas pessoas negras...
Alexandre: Terem superstição com... Né? Então é muito louco isso...
Guaraciaba: E não deixavam uma pessoa também entrar no circo. E ela teve isso, cortando a sua conversa, muito tempo, ela não deixava, no circo do meu pai ela também não deixava entrar...
Alexandre: Não deixava entrar.
Guaraciaba: Não deixava.
Alexandre: Ela fazia, ‘dá licença um pouquinho assim... ’
Guaraciaba: É, até uma criança entrar, ela, ‘espera um pouquinho, não, não tá aberta a porta ainda, espera um pouquinho’.
Alexandre: A pessoa com ingresso na mão, ela fazia, ‘ai’, dava uma disfarçada e não deixava entrar primeiro, o primeiro espectador não podia ser, que tivesse entrando no circo não podia ser negro, vindo de dois negros né?
Guaraciaba: É, porque ela era negra também. (Risos). Não dá pra entender isso aí né?
Alexandre: É.
Mariana: Isso quando vocês falaram da minha bisavó, gente, é a primeira vez que eu escuto da minha bisavó, sem ser a minha mãe me contando, e na verdade eu sei muito pouco, então a hora que você falou Brígida...
Guaraciaba: Ah, mas é, mas é.
Alexandre: É então, é então, era engraçado porque, era o jeito que o meu pai contava porque ele falava que ele falava entre os dentes assim; muito nervoso, muito bravo, era um homem muito bravo e tudo, e meu avô, pai do meu pai não ficava atrás também, era um pernambucano extremamente ignorante assim sabe? Tudo ele partia pra briga, e na época os circenses eram assim, eu não sei se por defesa ou por sobrevivência, eles tinham que, então eles não podiam olhar torto pra eles que eles já saiam no braço entendeu? Tem umas histórias loucas assim do meu, do meu avô bater em Padre, em Marilia saca? Tipo, chegar na igreja lá, o Padre tava fazendo propaganda pra um outro circo, ele ir lá na igreja bater no Padre de porrada, então tinha umas coisas, não sei se, se era ignorância mesmo, ou se era mostrar que era mais homem que os outros, ou por própria sobrevivência, por ser, por ser itinerante né, você tem que, é tipo meio que, é demarcação de espaço né, tipo, só não mijava assim em volta do circo pra não... (Sorrisos). Mas eu acho que era mais ou menos isso né, uma demarcação de espaço né, então... Mas é doido; e pra gente era muito engraçado isso, porque entrava qualquer história de... E uma vez a gente tava montando em Monte Mor, aí o meu pai, mais uma vez contou essa, ‘olha, quando eu estive aqui com o Circo Guarani’, aí ele contava a mesma história, a gente, ‘olha lá, lá vem o Brígida’(Fala entre os dentes).
Guaraciaba: (Risos).
Alexandre: Porque era o ‘Brígida’ (fala entre os dentes) que era engraçado do meu pai né?
Guaraciaba: É, e diz que ele fazia igualzinho, diz que ele imitava igualzinho ele, igualzinho.
Alexandre: É.
Mariana: Seu avô trabalhou de quê no Circo Guarani? Desculpa.
Alexandre: Meu vô?
Mariana: Seu avô, perdão.
Alexandre: Meu vô ele, ele, porque meu vô não era de circo né, ele não era tradicional de circo, meu vô, ele era marinheiro, e na marinha ele aprendeu a fazer argolas e barras olímpicas, e foi capoeirista, saltava muito bem e tal, e aí ele foi embora pro circo, agora eu não sei informar se o primeiro circo que ele trabalhou foi o... Pela, pela época, provavelmente deve ter sido, o primeiro circo que ele trabalhou, porque ele não era não era circense, o meu avô, e ele fazia barras, argolas, aí depois ele começou... Aí no circo dele que ele começou a fazer Palhaço também e tal, mas ele morreu muito cedo, assim, meu pai não pegou muito a época dele em circo né, porque meu pai, ele morreu meu pai tinha doze pra treze anos, quando ele morreu meu tio já estava indo pro Exército, foi na época da guerra, e meu tio ficou mais de dez anos no Exército, e minha... Aí eles foram pra um outro circo, meu pai foi tipo meio que adotado por um outro circo né, que é da família Alciati, então meu pai não pegou muito essa, essa época do circo do meu avô né, na época dele, mas eu, pela, pelo assim, eu não vou lembrar se o meu pai falou isso ou não, mas deve ter sido o primeiro circo que ele trabalhou, o Guarani, deve ter sido.
Daise: E vocês... Ele falava, ou vocês se lembram de alguém contar, nesse meio do circo né, porque é uma família tradicional de circo atualmente né, Guaraciaba...
Alexandre: Ahã.
Guaraciaba: Sim.
Daise: Se tinha outras famílias circenses negras?
Alexandre: Ah, que eu sei existia o do Benjamin de Oliveira, que é mais tradicional né, o mais conhecido, o da família da minha bisavó, que eram os Rosas né, que eram, todos eles eram negros, mas aqui recente tinha o seu Aleixo né, que era o Antônio Vicente Correia, que era Palhaço também negro, que eu saiba assim, dessa época só, assim, eu acho que só, que era muito restrito também, a minha avó entrou em circo acho que fazia pouco tempo que tinha, é, mil oitocentos e oitenta e oito foi abolida a escravatura, a época do Benjamin de Oliveira foi mais ou menos depois disso então, que nem a minha avó também, ela...
Mariana: Sua bisavó já era de circo, ou ela, ela, bom...
Alexandre: Não sei.
Guaraciaba: Minha bisavó sim, sim.
Alexandre: Sim, ela era de circo já.
Guaraciaba: Sim, a família era tradicional já, já tinha, já tinha um circo...
Alexandre: Não sei quando porque os descendentes eram escravos, então...
Guaraciaba: É eles já tinham um circo.
Alexandre: Era mais ou menos a mesma, quase a mesma história de Benjamin, do seu avô, do seu bisavô também que eram...
Guaraciaba: É mais ou menos essa mesma época.
Daise: E de Palhaço que fosse mulher, vocês ouviram alguma coisa?
Guaraciaba: Não.
Daise: Porque a senhora foi Palhaço...
Guaraciaba: Fui palhaça quando pequena; depois fiz algumas participações de palhaça, mas que eu...
Alexandre: Mas Palhaço principal assim que nem no caso da sua avó não.
Guaraciaba: É, mas que eu saiba não, que eu saiba não, não.
Alexandre: Eu acho que não, nunca teve.
Guaraciaba: Eu também não.
Alexandre: Nunca tinha ouvido falar.
Guaraciaba: Eu fui, pra mim foi minha surpresa quando eu vi a foto da sua avó. Da sua avó (aponta para Mariana), da sua mãe (aponta para Daise). (Risos). Sua mãe.
Alexandre: Então, eu também...
Daise: Mais alguma coisa?
Mariana: Eu não sei, mais histórias, vocês lembram-se de mais alguma?
Alexandre: Dele assim só... Dela, é, dessa coisa de...
Mariana: Dona Guaraciaba e Alexandre, take dois. (Claquete).
Alexandre: Mesmo assunto?
Mariana: Não, mas eu acho que é isso mesmo...
Alexandre: Continua falando...
Thyago: Se lembrar de alguma história.
Mariana: Se lembrar de mais alguma coisa.
Alexandre: É, as histórias que eu, assim, fora essa do Monte Mor aí né, essas coisas do, dessa superstição mesmo de, de entrar gato, ou sobrar, faltar terra no morto, são coisas que se você vê hoje não faz o menor sentido né, e engraçado você ver isso né, de como essa gente levava ao pé da letra essas coisas.
Guaraciaba: E é gozado, que a minha avó falava assim, ‘ah não pode fazer isso porque o senhor Joao Alves falava que não podia’ sabe?
Alexandre: É, mas não era uma coisa que tipo, sabe, tinha uma explicação lógica né, do tipo, ‘é porque uma pessoa mais velha falou pra mim’ então eles acatavam né?
Guaraciaba: É, ‘não, mas no circo do senhor João Alves fazia assim, no circo do senhor João Alves não fazia desse jeito’ sabe? Ela ficou com muita referencia do circo, então por isso que eu ouvia falar muito no senhor João Alves, no senhor João Alves por causa da minha avó, dela falar muito dele.
Alexandre: Essa coisa, essa coisa eu acho de, da história, entrando no assunto de famílias que eram descendentes de escravos que ficaram em circo né?
Daise: Isso.
Alexandre: Isso é presente, eram bastante assim no Brasil né, mas eu acho que era uma coisa de fuga mesmo né, eu acho né, porque tipo assim, a gente sabe da história, ‘ah, foi abolida a escravatura’, tá e aí depois né? Libertaram os escravos, e eles faziam o quê? Sem estudo, alguns continuavam na própria fazenda que eram, continuavam escravos né, porque não tinha lugar pra ir, não tinha lugar pra morar, não tinha lugar pra nada, e outros fugiam né, e eu acho que o meio de fugir, de fugir pra sempre né, seria no circo porque tá fugindo sempre né, então também é isso né, é por isso que, e depois foram, foram criando seus próprios circos ou... Né?
Mariana: É, isso é muito bacana né, eu tô ainda tentando entender né, então a sua bisavó, porque, seu bisavô e sua bisavó trabalharam no Circo Guarani, foi isso?
Alexandre: Não, é o meu avô por parte de pai.
Guaraciaba: De pai.
Alexandre: E a minha bisavó por parte de mãe.
Guaraciaba: Por parte de, é.
Alexandre: As duas famílias totalmente distintas.
Daise: Seu avô não era negro?
Alexandre: Não, o meu avô não.
Daise: A sua bisa...
Alexandre: A minha bisavó por parte de mãe, avó dela, era. O meu avô era pai do meu pai, e a minha bisa, vó dela.
Guaraciaba: É minha avó, é. Eram duas famílias que estavam no mesmo circo, é...
Alexandre: Não sei se junto, na mesma época, mas trabalhavam...
Guaraciaba: Não sei se na mesma época, mas eles trabalharam...
Alexandre: Pela época sim...
Guaraciaba: É, acho que trabalharam juntos...
Alexandre: Pela época, pelas datas, eu acho que sim, é porque depois morreram, o meu avô morreu também, aí ficou uma coisa, a minha bisavó demorou mais pra morrer e tal.
Guaraciaba: É você vê que depois de muitos anos as famílias se juntaram de novo né?
Alexandre: É.
Daise: Como? Quem casou com quem?
Alexandre: O meu pai casou com ela.
Daise: E aí que foi...
Guaraciaba: É, isso.
Alexandre: Juntou a, os descendentes dos Rosas com os Cavalcante.
Daise: Com os Cavalcante e veio a tradição do Circo Guaraciaba.
Alexandre: É, mas a tradição do Guaraciaba...
Guaraciaba: Já foi por parte dos meus avós.
Alexandre: Dos avós dela.
Guaraciaba: Dos meus avós.
Alexandre: É.
Guaraciaba: Que o meu avô era o Roberto Fernandes e a minha avó era a Vitoria Nelson que era da família Nelson.
Alexandre: Dos ingleses.
Guaraciaba: Dos ingleses que vieram...
Alexandre: Eram duas famílias de saltimbancos, uma veio da Inglaterra...
Guaraciaba: Veio da Inglaterra.
Alexandre: E outra do Chile, que aí quando começou a vir aquela leva de, de, de...
Guaraciaba: De acrobatas.
Alexandre: De acrobatas, de saltimbancos mesmo de fora né, da Europa, da América do Sul mesmo pra cá né, aí vieram os Robatinis, vieram os Stevanovich, começou a vir essa galera de fora, então vieram os Nelson, que era da Inglaterra, e os Fernandes, Fernandés né, que eram do Chile, e ai casou as duas e aí começou, por parte da mãe dela.
Guaraciaba: Da minha mãe, é.
Mariana: E a sua mãe, o que ela fazia no circo?
Guaraciaba: Minha mãe era, era só circo teatro, minha mãe nunca foi de picadeiro, minha mãe só foi atriz mesmo de circo teatro mesmo, nunca pendeu pra esse lado, eu já pendi porque minha avó era tradicional, saltava, fazia trapézio, fazia salto, a família dela foi muito de saltar né, a família da minha avó, todos eles saltavam, faziam equestre então, eu vim dessa família, ela ‘não, todo mundo’, todos que eram pequenos ela pegava, era acrobacia, era fazer corda, era fazer bola, era tudo assim né? E a minha mãe não gostava muito não porque ela não fazia, nunca fez nada né, mas eu fiz pouco tempo também, depois não fiz mais não, aí eu passei pra circo teatro e não, também abandonei a profissão.
Mariana: Mais como atriz...
Guaraciaba: Como atriz do que picadeiro mesmo.
Mariana: E como era ser, como é ser cômica? Como é isso?
Guaraciaba: É eu fiz pouca comicidade né, eu fiz, eu tive uma dupla de criança, a minha avó ensinou né, a gente fazia todas as reprises, era Guiomar e Cocada, então todas essas reprise que você conhece, Abelha Abelhinha, Comeu o Doce, A Mentira Maior, todas essas daí a gente fazia, mas só trabalhava na matinê, era só matinê, aí depois eu comecei a fazer acrobacia com a Marilene, que eu fazia dupla com ela, só que eu entrava de palhaça, e ela entrava de artista, aí ela foi embora, a minha avó falou, ‘agora você vai fazer de artista’, aí lá fui eu fazer de artista, aí todas as coisas que eu fazia de Palhaço eu deixei pra traz, porque era aquele negócio de virar cambota e cair no chão, fazia cachorrinho, fazia tudo aquelas coisas, depois aí eu comecei a fazer o número sozinha, mas também foi pouco tempo, aí quando eu cheguei nuns treze, quatorze anos eu parei e aí fui só pra teatro mesmo e abandonei, depois de velha, agora que eu fui fazer palhaça lá no festival, mas só quando chama assim pra fazer, mas não, não cheguei a fazer assim mesmo, como pegar uma profissão de palhaça e fazer não, meu pai sim, meu pai sim, meu pai desde pequenininho sempre foi, pendurou as botinas, as chuteiras fazendo Palhaço.
Mariana: Pensando essa coisa que a gente até discutiu no festival né, da coisa de, da comicidade, da coisa feminina mesmo né, você acha que tem alguma questão assim mesmo, tem, é um espaço mesmo, Palhaço é um espaço masculino, ou não, isso é bobagem?
Guaraciaba: É. Eu, na época do meu pai, ele tinha muito preconceito, tanto que quando o... A gente falava clown né, o clown dele, que era o escada, foi embora, eu fui fazer com ele, mas ele não, não aceitava de jeito nenhum, ele falava assim que não podia fazer certas piadas comigo, não podia fazer, fazer uma, um, por exemplo, o boxe né, fazer o boxe, hoje em dia você vê mulher fazendo né, meu pai não fazia, ele falava que aquelas coisas que ele fazia com homem não podia fazer com mulher, então eu fiz pouco tempo assim, depois ele arrumou outro, outro parceiro e foi, mas ele tinha preconceito com, eu falo preconceito porque ele tinha mesmo, ele não, ele não gostava de trabalhar com mulher, ele não gostava, eu não lembro o nome dela, mas, eu não sei se vocês lembram do Doróis, o Palhaço Doróis, ele trabalhava com mulher, ele sempre trabalhou com a esposa dele, e era uma senhora dupla
Alexandre: Mas era muito mais por necessidade do que por...
Guaraciaba: É, mas assim, mas eles tinham, eu acho que eles tinham um pouco de, de coisa com mulher mesmo né?
Alexandre: É que na época deles... Hoje, hoje, de uns tempos pra cá, a mentalidade é outra né, antes a mulher não podia votar né, então como é que vai fazer Palhaço?
Guaraciaba: É eu acho que é bem, um pouquinho disso daí também né?
Alexandre: Então, tem que pensar nisso, nessa, nessa, nesse machismo né, antigo, é de se entender essa questão né, é que hoje abriu um espaço muito maior, hoje não, tem muito tempo aí, que abriu um espaço muito maior, pra essa, pra essa questão de, dessas coisas de, dessa comicidade feminina né, mas eu acho, eu ainda tenho, eu sou um pouco, é difícil você ver, você vê clown mulher né, mas assim, o Palhaço de circo, eu conheço muito pouco, mulher, que faz o augusto de circo né, eu conheço a Bossinha, que tá em picadeiro, que também começou a trabalhar, acho que, porque eu conheço o pai dela né, meio que por necessidade também, e ela, e ela vai bem assim, mas é um tipo de Palhaço, hoje em circo existe né, um Augusto mulher, mas ela tende muito mais pro clown né, clown de teatro do que pro Palhaço, o augusto de circo, a mulher né?
Mariana: A gente fala isso porque fica tentando transpor, tentando imaginar como é que foi isso na época né?
Alexandre: É tipo a Geisa [Helena] né, que faz comigo, mas a Geisa tem formação de rua, formação teatral e aprendeu a fazer esquete de Palhaço, vai muito bem e tudo, mas é; algumas coisas a gente tem que adaptar, a gente tem que cortar porque, tem muita coisa que, por que o Palhaço brasileiro ele é muito malandro né, ele tem aquela coisa do sarcasmo, ele é muito, o Palhaço de circo brasileiro, o augusto brasileiro, ele é muito mais bufão do que clown, então ele, sabe, ele tem umas coisas mais picantes, uma coisa assim, que você quando tem a, ou o augusto mulher ou o branco mulher, você não consegue fazer né, por conta da figura, da própria imagem da mulher, então, mas hoje tá muito, bem mais fácil né, você lidar com isso, por linguagem, ou por, por abertura mesmo né?
Mariana: É por luta também né, porque a gente tava pensando, foi o Primeiro Festival Internacional em São Paulo foi esse ano.
Alexandre: Claro. Foi agora.
Guaraciaba: Foi agora.
Alexandre: Em São Paulo né, que pô, no Rio [de Janeiro] ainda tem da Maria da Graça e tudo, mas em São Paulo... Mas, mas então, mas se você pega esse festival, por exemplo, e é assim, eu tô falando pela linguagem né, porque no final sempre aquela discussão é o que é o clown de teatro e o Palhaço do circo e tal, mas a gente vai cair nessa mesma discussão né, que é o augusto, o clown da mulher é teatral, mais, tem uma amplitude mais teatral, não, não do Palhaço de circo.
Guaraciaba: É uma formação de teatro né?
Alexandre: Eu assisti as Marias fazendo uma comédia foi até dirigida pela Vicki, que é da Menina Virou, um pouco diferente, elas adaptaram pro, pra elas, pra fazerem, mas elas perdem todas as piadas do Palhaço de circo fazendo a mesma comédia, homem né, então essa, essa, ainda tem essa distancia aí.
Mariana: Porque as piadas são machistas ou não?
Alexandre: São atitudes, não são nem piadas, são atitudes machistas né, do tipo tem, por exemplo, tem uma cena que eu faço com a Geisa, que é de uma esquete, que o augusto Palhaço... Acabou?
Guaraciaba: Acabou?
Thyago: É só repetir essa história.
Mariana: Foi bem na hora, eu nem tinha me ligado. (Risos).
Daise: Que bom hein? E é louco isso né, minha mãe, é engraçado, e isso eu lembro, pra mim ela era um homem, e a minha mãe tinha um set de mulheres apaixonadas por ela.
Mariana: Elas não sabiam.
Alexandre: Ela fazia Palhaço homem?
Mariana: Fazia.
Alexandre: É aí que é diferente.
Mariana: É isso é legal de falar. Vamos retomar a história da Geisa e a gente volta, tá bom? Dona Guaraciaba e Alexandre Malhone, take três.
Alexandre: Então, tem uma cena que eu faço com a Geisa no espetáculo novo que é uma esquete antiga de circo e tudo, que é o Adão e Eva, a história do Adão e Eva, e tem um momento que quando eu fazia o Augusto né, nessa esquete, que é a hora que o escada fala, ‘ah você, vamos fazer a cena de Adão pedindo a companheira pra Deus’, e aí ele vai lá, ‘oh Deus, arruma uma mulher aí’, aí o outro fala, ‘não, tem que ser mais, mais delicado, uma coisa mais meiga, você está falando com Deus, tem que ter respeito’, aí ele vai, o Palhaço, o augusto, ‘oh Deus, arruma uma mulher’‘não, volta lá, mais delicado’, ‘Seu Deus, arruma uma mulher’, ‘não, mais delicado’, ele vai fazendo, falando pro Palhaço fazer tão delicado que aí o Palhaço fala, ‘seu Deus, arruma um homem pra mim’, aí o cara, ‘não, não é tão delicado assim’, a Geisa faz essa cena, só que não tem o efeito como se um Palhaço homem tivesse fazendo, porque ela é uma mulher né, ela, eu até falo pra ela, eu falo, ‘Geisa, quanto mais travecão você fizer no seu corpo...’, vai funcionar, mas não funciona como se fosse um homem fazendo né, é a mesma coisa de, essa coisa de, no boxe, na esquete do boxe que a gente faz também é coisa de, do tipo o cara fala assim, ‘ah, a luta ia ser no duro e você bateu no mole’, aí o Palhaço vai e passa a mão na bunda do outro né, e tipo, eu não posso fazer isso nela, sabe do tipo, choca porque a gente trabalha pra criança também então, e ela é uma mulher, se você faz em um Palhaço homem, legal né, o cara, ‘oh, que isso?’, se eu faço em uma mulher tem um, ‘opa’.
Guaraciaba: Ale, mas você não acha que é porque quando montaram todas as reprises eram só homens?
Alexandre: Não, eu sei, mas...
Guaraciaba: Né? Então quer dizer, eles partiram só pra homem né, as piadas, os trejeitos, os esquetes, o que for, era só homem, homem né, ninguém escreve pra mulher.
Alexandre: Mas aí você imagina, por exemplo, então, mas você imagina, por exemplo, você pega Os Trapalhões né, Os Trapalhões, que foram que levaram o circo pra televisão né, se você tem, por exemplo, se o Didi [Antônio Renato Aragão] fosse uma mulher, noventa por cento das piadas de duplo sentido não, não rolariam.
Guaraciaba: Não funcionaria.
Alexandre: Então, mas eu acho que isso é um pouco, é cultural nosso, é a figura, uma figura feminina, você não pode né, você dizer, você, por exemplo, eu quando faço boxe com a Geisa, tem momentos que eu faço escada agora né, que eu, eu tenho que bater, tenho que dar um tapa nela, às vezes a gente apresenta, a gente vê reação na plateia a hora que eu bato nela, por mais que o Palhaço da Geisa seja bem masculino, ela não é, ela não entra como homem, mas ela tem todo um, sabe, uma coisa muito assim, ela, a Geisa tem uma coisa assim, a direção pediu pra gente fazer isso, pra ela fazer isso por causa dela ser muito feminina, dela ter essa coisa, mas mesmo assim, na hora que eu dou um tapa nela, que ela pega o claque, você vê reação da plateia, ‘ah’, do tipo, entendeu?  E só isso reverte porque a hora que ela bate em mim, que aí a turma, ‘É!’, a turma vibra, por dois motivos, primeiro por ser o augusto, que é que tem uma identificação maior, e segundo por ela ser mulher né? Agora quando eu bato nela tem uma reação sim, a gente sente isso, mas também você não vai parar de fazer esquete por causa disso, mas a gente sente essa reação, em alguns momentos.
Mariana: Pensar diferente talvez...
Alexandre: Exatamente, exatamente, tanto que quando eu fazia o boxe com o Augusto, nos tapas, eu caia tipo ‘pá’ e eu caio mesmo, ela não, ela já toma e fica mais comedida por que se ela cair o choque é muito maior, a agressão é muito maior, por mais que a gente esteja de Palhaço...
Guaraciaba: É porque é mulher né?
Alexandre: A agressão, é uma agressão, então é complicado isso, por isso que eu acho que o lado clown né, esse clown shakespeariano, esse clown pra mulher funciona muito mais, por causa dessa coisa mais lúdica, mais inocente, mais poética que o clown teatral tem né, e o Palhaço de circo, o clown de circo augusto, ele já é mais, mais malandro, mais picante, mais, sabe? Mais, mais sexual nas suas piadas, mais, mais pornográfico mesmo assim no sentido gestual né, então...
Mariana: É, a gente tá tentando imaginar a minha avó fazendo Palhaço em uma época...
Guaraciaba: Sim.
Alexandre: Então, mas eu acho que a sua avó fazendo tinha um diferencial por ela fazer um personagem homem, ninguém sabia que ela era uma mulher.
Guaraciaba: É.
Alexandre: Então ela podia fazer as piadas normais, ela podia fazer uma piada de passar a mão na bunda do outro de boa...
Guaraciaba: Porque ela não era mulher né, ela era um homem.
Alexandre: Ou mesmo alguém passar a mão na bunda dela em cena ela era um homem, a plateia não sabia que ela era uma mulher, porque se soubesse aí o agravante era muito maior naquela época entendeu? Poderia ter sido presa, por exemplo, atentado violento ao pudor, quem sabe, naquela época.
Mariana: E essa questão do preconceito de cor assim né, tentando pensar né, na época também porque vocês tem na família né, uma avó também negra.
Guaraciaba: Sim, sim.
Alexandre: É.
Mariana: Como é que era isso? Vocês tem essa, essa, esse retorno assim, de histórias da família? Tinha essa coisa, sei lá, de estranhamento do artista negro, tinha alguma coisa nesse sentido?
Alexandre: Olha, eu, eu, é, não sei, eu, eu, eu vejo hoje né, uma coisa muito... É muito engraçada essa coisa de racismo né, se você for pensar se tá impregnado hoje, imagina há cinquenta anos atrás. Tinha uma peça que a gente levava no circo que chama Boi Pintadinho, uma peça muito antiga e tal, que falava sobre a escravatura e tudo, normal, e o auge, o ápice da peça é a hora que o negro, que era o escravo fala a verdade, porque o outro feitor que é o vilão, ele fala que os escravos mentem, não sei o que, e o outro que o senhor daquele escravo fala, ‘não, eu tenho um aqui na minha fazenda um que não mente’, e eles apostam e o ápice da peça é a hora que o escravo, ele arma toda uma armadilha, faz toda uma armadilha pra ele mentir e ele fala a verdade, e o vilão perde a aposta, e o ápice da peça é a hora que o galã, o mocinho da peça, dono desse escravo, que era também o, um herói, também na peça, falava assim, ‘você mais uma vez provou que é um branco de alma, que é um negro de alma branca’, era o ápice da peça, e eles falavam aquilo com um orgulho, do tipo, ‘nossa, olha como eu sou bom’ né? E aí você fala hoje você fala né, ‘porra, que merda’ né, que racismo escondido embaixo de uma frase poética né? Qual o sentido né, você é um negro de alma branca, tipo, você é um negro apesar de tudo, você é bom apesar de tudo, então você, então era, tipo era muito comum né, era uma coisa muito comum isso, de você, que nem eu falei, hoje você vê isso, imagina né, há milhões de anos atrás né, então era, era escroto na verdade, pra mim é muito escroto, é muito, é uma coisa muito, na verdade, não sei, eu tenho uma ideia muito, muito, muito particular sobre escravidão, sobre essas coisas né, tenho uma ideia muito, muito particular assim, eu acho que a gente deve, a gente deve umas desculpas eternas pra esses, pra esse pessoal, então...
Guaraciaba: Com certeza, já de, por exemplo, o seu avô eu não sei se aconteceu isso de, de se pintar de branco né, no caso do seu Benjamin de Oliveira, se pintar de branco porque a plateia não aceitaria ele de negro e sim de branco, passava uma maquiagem no rosto pra ficar branco pra fazer o galã que ele fez galã pra minha avó, e a minha avó não era branca né?
Alexandre: Não, mas aí eu acho que tinha um sentido, tinha um por que.
Guaraciaba: Não deu pra entender.
Alexandre: Então, mas aí eu acho que tinha um por que, ele fazia o Cristo na Paixão de Cristo, teoricamente, hoje, hoje eu acho o Ariano [Vilar] Suassuna, o Jesus de Ariano Suassuna era negro.
Guaraciaba: É, é.
Alexandre: Mas, um Ariano Suassuna, com toda uma critica, todo um né, um contexto do Auto da Compadecida, mas você não vê nenhum filme, a não ser Jesus Cristo Super Star antigo, da década de setenta, que o Jesus era, era né? Ou não? Não lembro.
Mariana: Não, não era, mas é que loiro Jesus Cristo não podia ser pelo lugar que ele nasceu né? (Risos).
Alexandre: Não era Jesus Cristo Super Star era um outro, tem um outro filme...
Guaraciaba: Claro, claro.
Mariana: (Risos).
Alexandre: Mas assim, na época a ideia que a pessoa tinha de Jesus era loiro de olho claro.
Guaraciaba: E muito tempo o circo teatro o Jesus era loiro do olho azul.
Alexandre: É.
Guaraciaba: Ou verde, não sei por que né, aí depois que nós fomos ver que ele não tinha nada haver, aonde ele nasceu ele tinha que ser moreno do cabelo preto, nariz grande.
Alexandre: Ah, isso daí é uma incógnita até hoje.
Guaraciaba: É.
Alexandre: Mas assim, na época ele fazia o Cristo, ele tinha que se maquiar de branco porque né, o Jesus teoricamente era branco naquela época né, mas eu acho pior do que circo, porque circo ainda tem uma, um porque, ‘ah, Jesus era branco’, o Príncipe, ele ia fazer um Hamlet, é um Príncipe da Dinamarca é branco, então eu vou, ele é negro, eu vou me maquiar de branco porque o personagem é branco né, como a gente fazia Escrava Isaura a gente fez aqui, na época fazia, é difícil você arrumar mulheres negras, ou atores negros, muitos né, então as pessoas brancas maquiavam de negro pra fazer os escravos, óbvio porque o personagem é assim, no circo tem um porque, agora você pega a história do futebol né, o Fluminense né, ele tem o apelido de pó de arroz por causa disso porque os jogadores escuros, morenos, mulatos ou negros, passavam maquiagem pra poder jogar porque as pessoas não aceitavam negros.
Guaraciaba: É difícil né?
Alexandre: Então, eu acho pior, é um agravante maior, eu acho. (Risos). Porque né?
Guaraciaba: Com certeza.
Alexandre: Agora circo, agora no circo sempre teve né, mas o louco é o próprio, o próprio negro antes ele se sentia em uma condição inferior, eu acho que sim porque a gente trabalhou né, com o seu Aleixo mesmo né, ele... Sabe quando a pessoa se sente inferior?
Mariana: Se sente por todo um contexto né?
Alexandre: Claro!
Mariana: Ainda mais no Brasil. Não, eu te falo isso porque eu tenho um amigo que fala que na verdade não existe preconceito no Brasil, são os negros que se sentem inferiores, então eu tenho um pouco de medo assim... (Risos).
Alexandre: Oh louco né? É.
Mariana: Além de tudo ainda o problema é do negro... (Risos).
Alexandre: É dele ainda né, ainda isso. Não, mas eu acho, eu acho, é, mas é uma coisa cultural, claro, a pessoa se sente né, foi criado assim, foi criado submisso né, então, vai ser submisso, até a hora que você... Hoje você, o cara que fala ‘peraí, eu sou negro’ né? E tem que olhar pra ver se ele não vai tomar porrada, ou vai né, alguém apontar o dedo né, então hoje é assim, imagina há cinquenta anos atrás, mas eu acho que os grandes... Acabou?
Mariana: Dona Guaraciaba e Alexandre Malhone, take quatro. (Claquete).
Alexandre: Do que eu tava falando mesmo?
Mariana: Você falou do...
Alexandre: Ah, do, do, do...
Thyago: Preconceito.
Alexandre: É, da, da, da, dessa prioridade mesmo né, do que o próprio, o próprio artista, vamos voltar pro circo né, o próprio artista tem né, até hoje, você vê na televisão isso né, tipo o público hoje, em dois mil e quatorze, dificilmente vai aceitar um protagonista, dois protagonistas em uma novela das oito, por exemplo, negros. Tentaram fazer com a Taís [Bianca Gama de] Araújo [Ramos] e não rolou, entendeu? É cultural né, a gente tem esse biotipo, e o circo que mexe que trabalha muito com melodrama é assim né, do tipo, você tem um melodrama, não adianta, a gente tem isso impregnado, a cultura nossa é essa né, você não vai aceitar, o negro é empregado, ou é o marginal da favela, ou é, entendeu? Eu assisti uma entrevista do Milton Gonçalves falando que teve uma rejeição muito grande do personagem dele, se eu não me engano em Pecado Capital, que ele fazia um médico, e ele era apaixonado pela Debora Duarte [Débora Susan Duke], uma coisa assim, primeira versão de Pecado Capital, então teve uma rejeição muito grande, escreveram cartas pra Rede Globo, ‘onde já se viu’ né, a ousadia daquele, daquele personagem se apaixonar por uma branca, peraí, e da arte assim né, a gente tá muito, a gente tá muito atrasado nessa coisa de minorias né? É igual tipo, é igual o gay né, tipo, ‘ah, a Globo tá começando... ’, ‘pára né?’, não tá começando nada, todos os personagens gays, ou que tem algum relacionamento gay, um beijo gay, alguma coisa assim na televisão, estamos na né, tipo na, na vanguarda, pára né, são todos eles, podem, pode pegar, a maioria dos personagens gays são estereotipados, a maioria, o Mateus Solano [Schenker Carneiro da Cunha] agora arrebentou na novela, era estereotipado, era vilão, então pode ver, é sempre taxado como ruim, ou como a bichinha louca, ou não sei o que, então sabe, ainda nós estamos longe ainda né, eu quero ver o dia que a Globo tiver um, e falar assim, ‘não, novela do Manoel Carlos [Gonçalves de Almeida], o próximo vai ser Heleno e não Helena’, sabe? Tipo, ‘vou por um casal de verdade’, pára, não vai ter nunca, porque o público não aceita isso, e é assim, e no circo é assim também, sabe? A gente tá muito longe ainda de conquistar isso né?
Mariana: É, é louco assim, porque me dá uma coceirinha assim né, pensando até como artista né, essa coisa do quanto também não é papel da gente, e é muito né, de transformar e de quebrar essas, por exemplo, na escolha das peças né, a gente tava vendo né, a coisa do Benjamin, a escolha das peças, aparentemente a primeira peça que ele apresentou no circo foi o Guarani né?
Guaraciaba: É.
Mariana: Então assim, essa coisa da, eu acho que...
Alexandre: Do índio né?
Mariana: Do índio né, que era o símbolo do Brasil né?
Alexandre: É, é.
Mariana: Louco né? Então não é uma escolha, não e por acaso né, que escolheram...
Alexandre: É, é.
Mariana: Essa escolha do grupo de artistas pra né, o que que vai passar né, o que que a gente vai passar né?
Alexandre: Exatamente.
Mariana: O que que é a peça? Vamos refletir sobre as coisas né? Tudo bem existe uma resistência, a gente tem um povo classista, mas a gente contribui como artista muito pra isso, pra transformar essa...
Alexandre: Claro, claro.
Guaraciaba: É.
Alexandre: Tanto que a gente fez agora uma temporada de um espetáculo, de uma comédia, que não é um texto de circo né, não é um texto original de circo teatro nada, e a gente adaptou pro formato de circo teatro, adaptou o texto, que era um texto de Miguel de Cervantes [Saavedra], que o Retábulo das Maravilhas, que é supercrítico né, conta a história dessa, de um poder, de uma, de uma hipocrisia total da política né, dos poderosos, e a gente trouxe pra cena, pra época de agora, e a gente criticou assim, horrores, tudo, todo o sistema social político do Brasil, entendeu? A gente criticou a Igreja Evangélica, com seus camelôs de fé, a gente criticou a Igreja Católica com esses, com esse poder que a religião exerce sobre, sobre, sobre um, a política né, hoje né, estão aí dentro da política né, essa coisa do artista ser discriminado e, a gente criticou sim, de uma forma bem direta mesmo, e até um pouco sem amaciar muito entendeu? A gente teve alguns problemas assim com um Pastor que veio assistir, filmou e queria processar, mas foi a contribuição que eu achei que o momento era da gente falar aquilo, porque na época o circo, o censor vinha, sentava aqui, eu tenho textos lá da Escrava Isaura, da Madame X, que a gente montou aqui, marcados pelo censor né, do tipo, ‘olha, não pode falar isso aqui’, e eles cortavam, o circo cortava, aí eu, ‘mas porque cortavam?’, ‘porque o cara mandou, e a gente não é daqui da cidade, a gente não tem vínculo com lugar nenhum, vou brigar com quem?’ Né? Tipo, não era que nem grupos de teatro né, que nem em São Paulo, Rio, BH, que enfrentavam o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] e apanhavam, iam presos, mas faziam né, o Plínio Marcos [de Barros] fazia espetáculo no porão da casa da, aí, da mãe do Cecil [Aldary] Thiré, como chama? Ai, eu esqueci o nome dela.
Daise: Eu ia falar Maria De La Costa.
Alexandre: Não.
Guaraciaba: Não.
Alexandre: Tônia Carrero [Maria Antonieta de Farias Portocarrero]. Ele, né, ele levava, ele levou espetáculo lá pra casa dela, vendia ingresso ali na [Praça] Roosevelt, livrinho dele por um, mas a galera de circo não fazia isso né, pô hoje a gente pode fazer, hoje a gente pode falar o que quer não o que quer, mas a gente pode criticar né, a gente está como artista a gente pode dar a nossa contribuição né, critica a isso, tanto que o circo era sempre foi entretenimento, só, básico, faz uma comédia aqui, faz melodrama, o povo vai embora e já era nós fizemos uma peça que o povo pode ter ido embora também e já era, mas a gente falou, entendeu? Acho que foi a primeira vez que um circo faz isso, eu acho, não conheço história de algum circo teatro que montou um espetáculo tão crítico quanto o nosso, numa comédia, eu não conheço, e a gente fez. Deu certo? Não sei, não sei se, mas a gente plantou já né, não sei se vou fazer outra, mas a gente plantou a primeira. (Risos).
Mariana: Você tava falando da questão do Benjamin né?
Alexandre: É.
Mariana: Benjamin de Oliveira, então ele... Vocês têm histórias dele?
Guaraciaba: Sim, Benjamin de Oliveira, a minha avó também contava, porque ela trabalhou no circo dele também, e ela era mocinha, e ela fazia as ingênuas do, com o Benjamin de Oliveira, então depois de muito tempo que eu fiquei sabendo que ele foi o Palhaço negro que pintava o rosto, então a minha avó falava assim, ‘nossa, a gente fazia aquelas operetas no picadeiro’, eu falava, ‘Maria’ né, eu chamava ela de Maria, ‘o que é isso?’, ela falava assim, ‘é peça cantada’, ele cantava e ela respondia né, chamava Filha do Campo, a peça.
Mariana: Espera só um pouquinho pra gente...
Guaraciaba: Ela foi fazer.
Alexandre: O pai dela foi.
Guaraciaba: O pai dela que ela foi fazer homenagem, ele estava presente. Ele é neto ou bisneto?
Alexandre: Eu acho que ele, ele é...
Guaraciaba: Eu acho que ele é bisneto.
Alexandre: Neto eu acho, então, não lembro.
Guaraciaba: Ele é...
Alexandre: Não, acho que não, ele é neto mesmo, ele tem oitenta e poucos anos.
Mariana: Guaraciaba e Alexandre Malhone, take cinco. (Claquete).
Daise: Porque o Benjamin, ele era mais velho do que o meu avô.
Alexandre: É, mas eu acho que ele era neto, porque ele já tava com, o neto dele já tava com uns oitenta e lá vai pancada, estava bem velhinho.
Guaraciaba: É. Nós conhecemos ele lá no circo, e a minha avó contava que ela trabalhava com ele, nossa, ela disse que gostava de trabalhar com ele porque ele era um ator excelente, ele levava tudo assim, tudo direitinho, era casaca, ele colocava casaca, gravata borboleta, e cantava, e a minha avó também, ela falava assim, ‘nossa, você já pensou? Eu fiz ingênua pro Benjamin de Oliveira’, ela contava aquilo com um orgulho, mas com um orgulho, aí depois de muitos anos que eu vim saber quem que era Benjamin de Oliveira, pelo livro da Ermínia [Silva], porque a gente é muito leiga nessas coisas, a gente conhece só as peças que a gente tá levando, mas a história das pessoas de antigamente, a gente não conhece nada, eu pelo menos não conheço nada, vim conhecer um pouco de ler agora os livros da Ermínia, de alguém falar alguma coisa, então a gente vai pesquisar, vai procurar saber, nossa, minha avó falava isso, eu era pequena, eu tinha uns dez anos, agora, depois, com setenta que eu vim saber quem que era o galã da minha avó né, que foi uma pessoa importante no meio do circo teatro né?
Alexandre: É, mas não tinha essa comunicação que tem hoje né, as pessoas não se comunicavam...
Guaraciaba: E a gente sabe mesmo...
Alexandre: Até os próprios circos mesmo, hoje você sabe onde tá todos os circos aqui no Brasil, você sabe onde tá, antigamente não tinha comunicação nenhuma.
Guaraciaba: É, e a gente, e a gente sabe mesmo das histórias dela contar, da gente, e eu prestar atenção, e ouvir e guardar né, porque não ficou não passou pela minha mente, ficou gravado que ela contava isso né, e eu achei muito legal saber que a minha avó trabalhou com o Benjamin de Oliveira, e foi ingênua dele.
Daise: Aonde você lembra da...
Guaraciaba: Ah, eu não sei, eu acho que foi praqueles lados de Minas Gerais, porque eles ficaram muito ali em Minas né, minha avó era mineira também né, minha avó nasceu ali, é, e eu acho que foi bem ali por BH mesmo, ali por aquela redondeza ali de Belo Horizonte.
Mariana: Tem alguma coisa mais que vocês acham importante dizer...
Guaraciaba: Ah, eu acho que, vocês que sabem...
Alexandre: Não sei se saiu um pouco fora do foco uma hora. (Risos).
Guaraciaba: (Risos). É, saiu um pouco fora da...
Daise: É porque eu, por exemplo, só tenho também lembranças de, da minha mãe contar.
Guaraciaba: De contar.
Daise: Da minha mãe eu tenho mais, mas tinha um resto da história do meu avô...
Alexandre: Ahã. Sabe por quê? Porque muita história que você ouve né, de antigos, de circo, quando a gente, eu era criança a gente ia ao Café dos Artistas ali aonde é o, perto do...
Guaraciaba: O quinhentos e dezoito.
Alexandre: Ah, você escutava o meu pai gostava, que nem eu falei no começo, meu pai gostava de contar história, não sei oque, mas aí, até que ponto você sabe, porque esse pessoal mentia pra caramba também né?
Daise: (Risos).
Guaraciaba: É.                                                     
Alexandre: Inventava muito né, então até que ponto, você não sabe se isso era verdade ou não né, as histórias que você sempre escuta você, e você, depois você vira um meio que um né, você...
Daise: Fica repetindo...
Alexandre: É você repete aquilo, não sabe se aquilo é verdade ou não né?
Guaraciaba: É.
Alexandre: Aí volta aquela história do Peixe Grande né, você fala qual a história mais legal né? Tipo essa que não aconteceu nada ou essa que eu te contei que é cheio de coisas mirabolantes, então...
Guaraciaba: É, mas isso do...
Alexandre: Pô é legal quando você escuta de mais, de pessoas antigas, duas ou três pessoas, aí você vê detalhes e fala, ‘não, realmente essa é verdadeira porque duas ou três pessoas que não se conhecem bate a história aí... ’
Guaraciaba: Mas essa de Monte Mor o meu marido contava mesmo.
Alexandre: Não, Monte Mor é clássica.
Guaraciaba: Ele e o irmão dele que era o meu cunhado que era marido da minha, da Iracema, eles contavam essa história mesmo, não era possível que era mentira por que...
Alexandre: Não, não, não, essa...
Guaraciaba: Ele fazia assim mesmo, é verdade.
Mariana: Valeu.
Guaraciaba: Valeu gente?
Daise: Até a Dercy [Dolores Gonçalves Costa], a Hebe [Maria Monteiro de] Camargo [Ravagnani], todas, e depois fizeram uma viagem longa com o Genésio [Soares de] Arruda, que foi casado com uma sobrinha delas, então você vê...
Guaraciaba: O Genésio Arruda fez muito show em circo também.
Daise: Nossa então... Então quer dizer, são coisas que ela, minha mãe, por exemplo, conheceu o Oscarito [Oscar Lorenzo Jacinto de la Imaculada Concepción Teresa Diaz], quando ela...
Alexandre: Nossa. E essa galera antigamente era, era, era...
Daise: Era muito unida.
Alexandre: E poucos né?
Daise: Poucos; isso.
Alexandre: Tipo não existia muitos circos no Brasil.
Daise: Não.
Alexandre: Muitos artistas assim.
Daise: Exatamente.
Alexandre: Então eram mais seletos né, essa, os com mais sucesso assim eram mais seletos.
Daise: Não, e fora que você vê, no caso do Circo Guarani, que era do meu avô, a gente tem notado que eles concentraram essas coisas, a partir daí que teve uma ampliação, minha mãe falava direto dos Tangará...
Alexandre: Deixa só eu perguntar uma coisa pra...
Daise: Vai lá. Dos Stankowich né, e eu acho que você também ouvia muito casos, muita história.
Guaraciaba: Ah muita, muita história, nós conhecemos muito, muito de contar mesmo, e eu não sei se é porque a gente, hoje em dia a gente tá mais assim, mais por dentro das coisas, que nem meu filho que lê, que estuda que faz que vai pesquisar, que vai, a gente era muito restrito, sabe?
Daise: Isso era uma família...
Guaraciaba: Não deixava a gente, é não fazia nem fofoca, nem comentava, nem nada, ficava ali dentro do circo mesmo, acabou e pronto, ficava tudo quietinho.
Daise: E os homens concentravam os conhecimentos.
Guaraciaba: É, é.
Daise: Que é essa coisa que a gente discute os homens.
Guaraciaba: Mas é assim mesmo, mulher...
Daise: Os homens que iam...
Guaraciaba: Pra falar a verdade, mulher não tinha vez.
Daise: (Risos).
Guaraciaba: Falar sinceramente, mulher não tinha vez, era só eles e pronto e acabou.
(Fim da entrevista).

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